Em março de 2003, a coalizão internacional liderada pelos Estados Unidos dava início às operações militares de invasão ao Iraque. Tendo como principal objetivo a derrubada do regime de Saddam Hussein, a narrativa construída para legitimar tal intervenção – condenada até mesmo por aliados como França e Alemanha, e não-autorizada pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas – contava que era necessário desarmar o arsenal de destruição em massa do país e encerrar seu apoio a organizações terroristas, além de “libertar” o povo iraquiano. As consequências diretas das operações foram a desestabilização completa do Iraque, que levou à ocupação do país pelas tropas estrangeiras até 2003, uma sangrenta guerra civil que consumiu 500 mil vidas e a proliferação de grupos radicais no no man’s land iraquiano, como o DAESH. 

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O regime de Saddam Hussein já era alvo de ações militares estrangeiras e sanções desde a década de 1990, e enfraquecer seu governo – visto como uma ameaça ao equilíbrio do sistema regional – era um dos objetivos maiores da política externa norte-americana desde a administração Clinton. Após os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, cometidos pela Al Qaeda, o governo norte-americano empregou todas as ferramentas a seu dispor para ligar o Iraque à organização terrorista, liderada pelo milionário saudita Osama Bin Laden, apesar de suas próprias agências de inteligência alegarem não haver provas suficientes para tal afirmação. Outro recurso narrativo utilizado pela Casa Branca era o de que o regime baathista de Hussein continuaria com projetos secretos de desenvolvimento de armas de destruição em massa – no entanto, relatórios da CIA divulgados em 2005 indicaram que, desde 1991, o Iraque não possuía nenhum programa ativo para a construção de armas de destruição em massa.

Os centros urbanos do país foram alvo de bombardeamentos intensos, levando ao colapso do governo e das Forças Armadas. Em apenas três semanas, Bagdá havia caído, e o governo Bush já se vangloriava por seu êxito em neutralizar as estruturas militar e política iraquianas. No entanto, a queda de Bagdá foi apenas o começo de uma série de eventos que mergulharam o país em um caos ainda maior: o Iraque foi varrido por um mar de violência sectária e religiosa que resultou na perda de centenas de milhares de vidas. A ocupação estrangeira iniciou então uma ocupação militar na tentativa de trazer uma sombra de estabilidade ao país – e longos oito anos se passaram até a maior parte do contingente militar americano ser retirado do país, em dezembro de 2011.

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O legado da invasão do Iraque continua a ser sentido, e o país enfrenta desafios significativos para alcançar a estabilidade e a reconciliação interna. A estrutura política do país foi colapsada e o tecido social incendiado, levando a um vácuo de poder que foi rapidamente preenchido por grupos insurgentes e milícias; além das consequências diretas no Iraque, a invasão também teve implicações geopolíticas e sociais mais amplas. O Oriente Médio como um todo testemunhou um aumento da instabilidade e do extremismo, com o surgimento de grupos terroristas e a intensificação de conflitos sectários em outros países – além de ter gerado um sentimento generalizado de ressentimento e anti-americanismo em partes do mundo árabe, minando a confiança e as relações diplomáticas entre os Estados Unidos e muitos países da região.

Aycha Sleiman

Aycha Sleiman é estudante de Relações Internacionais na UFABC e fundadora do projeto @des.orientese, que aborda a política e diferentes culturas do Oriente Médio a partir de uma abordagem ao mesmo tempo acolhedora e crítica.

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