As nuances do amar: o papel do amor na poesia e no imaginário árabe

A língua árabe é caracterizada por sua expressividade sem igual e por seu rico vocabulário, capaz de cobrir quase todas as particularidades da experiência humana. Tendo sua gênese nas sociedades tribais pré-islâmicas da Península Arábica, sabe-se que essas estruturas sociais – o tribalismo, ou valores como a honra e a bravura – afetaram profundamente a configuração do repertório da língua e a consolidação dos temas marcantes de sua poesia, como é o caso das nuances do amar. 

O amor ocupa um lugar central na poesia árabe, dos tempos pré-islâmicos de Waddah do Iêmen a Nizar Qabbani e Mahmud Darwich, ou até em canções pop modernas, sendo um conceito multifacetado, cheio de meandros e sutilezas, abrangendo várias dimensões e emoções, frequentemente evocando o sofrimento ou o êxtase com recursos linguísticos elaborados e imagéticos. Do êxtase à insônia, passando pela angústia e a afeição, não há faceta do que chamamos “amor” que não seja contemplada pelo idioma árabe.

Os poetas, ao tratar de suas afeições, usam descrições vívidas para transmitir os aspectos físicos e emocionais do amor, empregando imagens retiradas da natureza, do cosmos e da vida cotidiana para evocar da leveza do amor puro e sereno, à loucura provocada pela separação ou rejeição – como é o caso da lendária história de Layla e Qays, ou Majnun (o Louco), que inspirou a canção “Layla” de Eric Clapton. 

Layla, de Erick Clapton

Assim, o amor não correspondido é um tema central no imaginário árabe, no qual o amante encontra consolo na dor da saudade e produz odes de lamento e angústia. Através de seus versos, os poetas expressam a agonia da separação, a dor da distância e a natureza agridoce e dúbia do amor, que pode ao mesmo tempo encantar e ferir o coração. Em contraste com o amor não correspondido, é também explorado o amor realizado, em que a união dos amantes traz uma sensação de euforia e despertar espiritual. Esse tipo de amor é visto, principalmente dentro da tradição islâmica, como uma força unificadora, simbolizando a união entre o indivíduo e o divino. Os poemas de amor frequentemente expressam um anseio pela unidade, mesclando o físico e o espiritual, buscando um senso de plenitude e realização no amado.

Um exemplo moderno da influência da poesia romântica árabe clássica é a obra Meu nome é Adam de Elias Khoury, publicado pela Tabla, na qual Adam evoca com primor a tradição poética beduína para ilustrar seus tormentos internos. Leia um trecho: 

“Nada se parece com o amor, exceto o amor. 

Uma tempestade que recompõe o mundo, como se as coisas nascidas envoltas em mistérios e ambiguidades aparecessem agora novas, como se não tivessem existido antes de o amor borbotar da água dos olhos.”

Vale a pena conferir!

Aycha Sleiman

Aycha Sleiman é estudante de Relações Internacionais na UFABC e fundadora do projeto @des.orientese, que aborda a política e diferentes culturas do Oriente Médio a partir de uma abordagem ao mesmo tempo acolhedora e crítica.

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