1. Curdos: um povo

Os curdos são considerados um povo ou um grupo étnico, porque compartilham uma identidade, uma língua, um território, uma origem, uma história e muitas tradições comuns, mesmo que não constituam um país ou um Estado soberano. De origem étnica indefinida, sua composição teria sido uma mistura de diversos povos como medos, persas, armênios e turcos, cuja história pode remontar ao século VII a. C. na região do Iraque. Em seu modo de vida tradicional, as famílias se organizam em tribos e clãs, preservam línguas e dialetos, vivem do pastoreio e da fabricação de tapetes artesanais mas também reivindicam o controle de zonas petrolíferas e lutam por autonomia política.

2. Curdos: os números

Por não possuírem um território autônomo e soberano, os curdos são a mais numerosa nação sem Estado no mundo. O número de sua população está estimada entre 20 e 36 milhões de indivíduos distribuídos na Turquia (12 a 15 milhões de pessoas ou 20% da população do país), no Irã (6 milhões), no Iraque (5 milhões), na Síria (2 milhões), além dos dispersos nos países vizinhos (Líbano, Geórgia, Azerbaijão e Armênia) e refugiados em países europeus como a Alemanha.

3. Curdo: uma língua, várias línguas

O idioma curdo faz parte do ramo indo-europeu, do grupo das línguas iranianas, conjuntamente com o persa (falado no Irã), o pachtu (falado no Afeganistão), e o osseta (falado na região da Ossétia). Há ainda seis línguas minoritárias, Bajelani, Dimli, Gorani, Kirkmanjki, Sarli e Shabaki, falados pelos povos de acordo com sua origem ou região onde vivem.

4. Islamismo, religião majoritária

A maioria dos curdos professa a religião islâmica de vertente sunita, tendo ocorrido a conversão com a expansão dessa fé pela região. No entanto, entre os curdos há os que praticam uma religião sincrética, o Yazdismo, ligado ao Zoroastrismo persa e outras religiões antigas. Eles acreditam em reencarnação e no Culto dos Anjos, a crença em sete entidades angélicas que protegem o mundo; a maioria deles vive no Curdistão Iraquiano. Há ainda os curdos xiitas vivendo no Irã e os alevitas, na Turquia, além dos que estão ligados às ordens sufis.

5. Curdistão, um território

O termo Curdistão, “Terra dos Curdos”, foi cunhado pelo sultão seljúcida Sanjar em 1150 para nomear a parte do Irã onde viviam os curdos. Ocupando uma área nos limites de quatro países (Turquia, Irã, Iraque e Síria), o Curdistão é uma região montanhosa de aproximadamente 500 mil Km², onde nascem os rios Tigre e Eufrates, e por onde ocorre a ligação do Mar Mediterrâneo com a região do Cáucaso. Ainda que não seja um Estado soberano, os curdos detêm o controle de duas unidades administrativas: a província do Curdistão, no Irã, e a Região Autônoma Curda, no Iraque. As cidades curdas mais importantes são Erbil, Dohuk e Solimani (Iraque), Djarbaquir e Batman (Turquia), Quermanshá e Sanandaj (Irã), Al-Qamishli e Al-Hasakah (Síria).

6. Curdos: uma longa história

Remontando suas origens à antiga Babilônia, no Iraque, a história curda pode ser datada desde o século VII a.C, associando suas origens aos povos medos e aos domínios persas durante a Antiguidade. Convertidos ao Islamismo, os curdos formaram principados no século X e mantiveram certa autonomia até 1639, quando o Curdistão foi dividido e passou para o controle do Império Persa e o Império Turco-Otomano.

Com o fim da Primeira Guerra Mundial, o Tratado de Sèvres de 1920 previa a criação de um Estado curdo num território compreendido ao Leste da Anatólia (Turquia) e Mossul (Iraque). Com o revide turco imposto por Mustafa Kemal (Ataturk) às nações europeias, o novo Tratado de Lausanne de 1923 ratificou o domínio das populações curdas pela Turquia, Irã, Iraque (por meio do Reino Unido) e Síria (por meio da França).

7. Curdistão: um território, uma luta pela autonomia

Ainda que os curdos reivindiquem um território autônomo baseado na noção de povo e identidade étnica, não significa que os interesses e as ações sejam unificados e unânimes. Muitas vezes, os conflitos entre os próprios curdos refletem as alianças e os interesses internos e das regiões dos países vizinhos.

A primeira tentativa de autonomia ocorreu na Segunda Guerra Mundial, quando os curdos no Irã, apoiados pela União Soviética, formaram a efêmera República de Mahabad em 1946. A revolta curda de 1979 também foi duramente reprimida no contexto da Revolução no país.

No Iraque, o Curdistão iraquiano é uma região autônoma desde 1991, no contexto da Guerra do Golfo, tendo sido reconhecida oficialmente na Constituição do Iraque de 2005 que instituiu a República Federal no país. Desde 2016 o Partido Democrático do Curdistão (PDC) e o União Patriótica do Curdistão (UPC) estabeleceram uma administração unificada, depois de décadas de rivalidades.

Na Síria, os curdos foram oprimidos e marginalizados por isso assumiram uma posição de minoria. Com a Guerra Civil no país em curso desde 2011, estabeleceram uma administração autônoma ao norte da Síria, na região de Rojava.

É na Turquia que a luta por autonomia curda tem sido mais intensa. Desde 1926, com a proclamação da República Turca, surgiu o movimento nacionalista e independentista curdo. Na nova nação estabelecida por Ataturk só havia espaço para uma língua, uma cultura, uma etnia, um povo: os turcos. Duramente reprimidos, movimentos nacionalistas e identitários só ressurgiram na década de 1970 ligados aos movimentos estudantis que reivindicavam a consciência de uma identidade curda e passaram a ter expressão política com a formação, em 1978, do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK, Partido Karkerani Kurdistan). Visto como movimentos independentistas, foram duramente reprimidos, ainda que tenham conquistado o direito de usar a língua curda nas escolas e na TV curda.

8. Curdos por eles mesmos

Os curdos foram definidos pelos árabes como “árabes da montanha”; os turcos consideram os curdos como “turcos da montanha”; e os persas consideram os curdos como uma etnia persa. Apesar de serem definidos pela identidade do outro e pela negação de sua própria identidade, os curdos têm lutado, resistido e preservado aquilo que os define e define a todos os outros como um povo: o compartilhamento de uma origem, história, língua, costumes e tradição, mesmo que sem autonomia e soberania.

Samira Osman

Samira Osman é professora de história da Ásia na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e escreveu Imigração árabe no Brasil (Xamã).

Assine nossa Newsletter