Lâle (لاله)

Etimologia — A palavra lâle (em otomano: لاله) vem do persa médio alālag, que passou ao persa clássico como lāleh, significando “papoula, anêmona vermelha”.

Breve História

Origem e domesticação

Embora hoje associemos a tulipa aos campos da Países Baixos, a lâle é originalmente nativa da Ásia Central. Chegou à Anatólia no século XII, quando começou a ser cultivada como planta ornamental. Entre os séculos XVI–XVII, eminentes ulemas como Şeyhülislâm Ebussuûd Efendi não só introduziram bulbos em Istambul, como também criaram e nomearam centenas de variedades por cor, forma e padrão de manchas. Graças à sua beleza e raridade, a tulipa tornou-se um dos símbolos visuais mais potentes do Império Otomano, aparecendo em tecido, cerâmica, joias e arquitetura palaciana — sinal de status, poder e refinamento da corte.

Era da Tulipa (Lâle Devri)  (1718–1730)

No início do século XVIII, vastos campos de lâles coloriam jardins e palácios imperiais ao longo do Bósforo, criando uma verdadeira febre pela flor. Sob o reinado de Ahmed III (1718–1730), nobres e plebeus disputavam bulbos raros a preços elevados. Artistas e músicos inspiraram-se na lâle: surgiram makams (modos musicais) chamados lâle-gül (tulipa-rosa) e lâle-ruh (tulipa-espírito), e miniaturistas como Levni incorporaram o motivo em pinturas e manuscritos. As festas de casamento na corte eram decoradas com tulipas, exibidas em elegantes laledan de ouro, prata, porcelana e vidro.

Exportação para a Europa e termo “tulipa”

Bulbos de lâle chegaram à Europa no século XVI levados por embaixadores otomanos. Em 1559, Konrad Gesner documentou plantas em Augsburg como Tulipa turcarum (tulipa turca). O nome europeu “tulip” vem do otomano tulipan, referência ao turbante (tülbend), segundo relatos de Busbecq. Hoje, embora a flor seja oriunda da Anatólia, os Países Baixos e a Hungria dominam seu comércio global, enquanto na Turquia ela renasce em festivais anuais.

Uso literário e simbólico

Na poesia clássica otomana, o lâle tornou-se símbolo de amor, beleza efêmera e paixão intensa. Poetas sufis, como Mevlânâ Celaleddin Rumi, empregaram a tulipa para evocar estados místicos e amorosos – seus rubais têm metáforas em que a flor vermelha lembra mãos em prece e a kara sevda (paixão ardente). Mestres do divã como Ahmedî e Bâkî comparam faces rubras de amados a lâles, ressaltando tanto a beleza viva quanto o sofrimento do amor. No século XVIII, Nedîm, grande poeta da Lâle Devri, refletiu o clima festivo daquele período em versos que celebram a flor e o luxo dos salões imperiais. Em suma, o breve florescer do lâle passa a ideia de beleza transitória e de emoções que ardem intensamente, mas logo se apagam.

Simbolismo místico

No sistema ebced, as letras que formam lâle somam 66, valor numérico equivalente ao nome divino “Allah”. Por essa razão, a tulipa tornou-se um símbolo da unidade divina, frequentemente presente em ornamentos funerários de santos sufis e em manuscritos religiosos, como uma lembrança visual do sagrado. No sufismo, a tulipa também representa a experiência interior do amor divino: sua aparência externa vibrante contrasta com o interior escuro, evocando a condição do dervixe que, apesar de carregar em si o ardor do amor espiritual, mantém a aparência serena. A forma da flor, com suas pétalas voltadas para o alto, remete à postura do dervixe em oração. Ainda hoje, o lâle evoca pureza, fé e contemplação nas tradições artísticas e espirituais islâmicas.

Legado contemporâneo

Após o fim do Império, a tulipa manteve seu prestígio na Turquia. Desde 2006, Istambul celebra anualmente o Festival das Tulipas (Lale Bayramı) em abril, relembrando a paixão histórica pela lâle. Durante o evento, mais de sete milhões de bulbos são plantados em locais icônicos como o Emirgan Korusu, o Gülhane Korusu e a Praça Sultanahmet (Mesquita Azul). Em 2024, o festival incluiu 4.670.201 bulbos de tulipas, 72.500 de sümbül, 200.000 de nergis e 2.770.000 de muscari, totalizando 7.962.701 bulbos de plantas. O festival oferece uma experiência única para moradores e turistas, celebrando a beleza natural da cidade com diversas variedades de flores.A flor também figura em estampas de tecidos, moedas e selos, além de continuar a inspirar designers contemporâneos. Internacionalmente, a “Tulipomania” se tornou uma metáfora econômica, mas o encanto histórico da tulipa persiste, com as ruas de Istambul revelando a paixão otomana pela lâle. O Lale Bayramı mantém essa flor viva como um símbolo vibrante do legado cultural otomano, conectando história, cultura e natureza na paisagem contemporânea de Istambul.

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