Há muitos mitos em torno da Ordem dos Assassinos que foram perpetrados desde a sua origem no século XI, em meio às Cruzadas. Um deles dizia, por exemplo, que o rei britânico Ricardo Coração-de-Leão teria trazido um Assassino em sua comitiva ao retornar para a Europa, espalhando terror pela região. Conhecidos por se infiltrar nas cortes e nos exércitos dos principais governantes do Oriente Médio para matar autoridades, os Assassinos ficaram conhecidos por seus exímios disfarces, sua eficiência letal nos atentados e por não terem medo de morrer após completarem suas missões.
Um desses mitos é a própria origem da palavra “assassino”. Reza a lenda de que o termo viria do árabe “hashashyin”, que significa “fumador de haxixe”, por supostamente os seus seguidores estarem sob efeito do haxixe ao realizar missões perigosas e suicidas. Já o escritor libanês Amin Maalouf traz outra possível gênese da palavra, em As Cruzadas vistas pelos árabes (Brasiliense, 1983): ela viria de “asa”, em árabe, que significa “base” e “fundamento” da fé islâmica, que seria seguida à risca pelos “asasiyun”.
Origens DA Ordem dos assassinos
A ordem foi criada por Hasan ibn Sabbah, nascido no século XI na cidade de Qom, atualmente no Irã, um dos principais centros de ensino islâmico do país. Seguidor do ismaelismo, uma vertente xiita do Islã, ele serviu ao Império Seljúcida na época do califado islâmico de Bagdá; exilou-se no Egito, onde trabalhou para o califado fatimida, também xiita e rival de Bagdá e dos turcos seljúcidas; e depois se entrincheirou em uma fortaleza no Irã chamada Alamut (“ninho da águia”, em persa), construída por dinastias precedentes. Ali, Hasan fundou uma sociedade aquartelada, que seguia rígidas regras religiosas e onde era treinada uma ordem de elite conhecida como fidayin (“aqueles que se sacrificam”), ou Assassinos.
O grupo matou vizires, califas e xeques de mesquitas, atentou contra sultões e outras autoridades, conquistou outras cidades e fortalezas criando, inclusive, o Estado ismaelita nizari, fez alianças questionáveis com os cruzados e desequilibrou a balança de poder do Oriente Médio ao longo dos séculos XI e XIII.
Hasan ibn Sabbah é um dos personagens mais carismáticos de Samarcanda, de Amin Maalouf, publicado recentemente pela Tabla. Jovem brilhante e leitor voraz, ele se torna amigo do polímata Omar Khayyam, autor do Rubayiat. Isso na ficção, pois, apesar de ser provável, não há registros de que os dois tenham se conhecido quando residiam em Samarcanda. De toda forma, no romance, é através de Khayyam que Sabbah vem a conhecer o vizir Nizam ao Mulk (o “Maquiavel seljúcida”) e entra na corte do sultão Malik Xá I. Depois de desentendimentos com o vizir, que cria um estratagema para Sabbah passar ridículo na frente da nobreza, o persa foge para preservar a própria vida. É no Egito que ele encontra guarita e desenvolve seu pensamento religioso, que era irascível.
Ao tomar posse de Alamut, Sabbah não sai mais de lá pelos próximos trinta anos. Era tão rigoroso que mandou executar dois de seus filhos: o primeiro por ter sido acusado de um crime que não tinha cometido (mas como ele não queria favorecer a própria prole, não havia espaço para julgamentos) e o segundo por ter tomado vinho (o álcool, a música, a poesia e outros prazeres mundanos eram banidos da sociedade criada por ele).
Apesar disso, diziam que o Velho da Montanha, como o líder era conhecido, era o guardião das portas do Paraíso. Por meio de um truque barato, os jovens soldados seriam intoxicados com haxixe e levados para um jardim das delícias, com comida, música, vinho e huris (mulheres sempre virgens), que supostamente seria o Paraíso islâmico, ainda que nunca tivessem deixado Alamut. Era para retornar a esse local cheio de maravilhas que os fidayin lutavam com unhas e dentes para morrerem com honra. É isso que conta Marco Polo em dois capítulos breves dos seus relatos de viagem, cerca de cem anos depois da fortaleza ter sido completamente arruinada pelos mongóis, em 1282.
Essas mesmas lendas serviram de inspiração para o romance Alamut, (Morro Branco, 2022), do esloveno Vladimir Bartol, que traz um Hassan ibn Sabbah completamente cínico e niilista, na tentativa de realizar experimentos para ver até onde vai a fé dos seus seguidores. Além de anacrônica, essa visão não leva em conta o caráter reformista do ismaelismo que atraía os camponeses da região da Pérsia, que viam os turcos seljúcidas como invasores estrangeiros que sugavam as riquezas da sua terra coletando altos impostos da população.
Ainda que Alamut tenha sido destruída, os ismaelitas sobreviveram algumas décadas depois em fortalezas na Síria, relacionando-se com a complexa geopolítica das Cruzadas no Egito e no Levante, atentando até contra Saladino, o grande herói muçulmano que retomou Jerusalém dos cristãos. Com medo de ser morto, Saladino, por fim, fez um acordo com os ismaelitas, que haviam enfraquecido tanto o califado fatímida do Egito, que foi facilmente conquistado pelo mítico herói islâmico, que colocou em seu lugar a dinastia aiúbida.
Mas a decadência chega para todos, e já no século XIII, o viajante marroquino Ibn Battuta contava no primeiro volume das suas Viagens que os ismaelitas da Síria agora trabalhavam como matadores de aluguel para os mamelucos, dinastia que sucedeu os aiúbidas no Egito e bloquearam o avanço mongol pela Europa.
Os ismaelitas existem até hoje e são, no geral, pacíficos, tendo como líder o riquíssimo Aga Khan, que vive atualmente na Índia, sendo supostamente um descendente direto do profeta Muhammad, a partir da linhagem de Ali com sua filha Fátima.
Já as ruínas do Castelo de Alamut aparecem pela primeira vez nos relatos de viagem da britânica Freya Stark (1893-1993), que falava persa, se aventurou sozinha pelo Oriente Médio vestida de homem, conviveu com as populações locais e visitou Alamut, nas montanhas de Alborz, em 1930. Essa viagem foi narrada por ela no livro The Valleys of the Assassins and Other Persian Travels, de 1934, que fez muito sucesso na época do seu lançamento.
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Problema historiográfico
Fanáticos aos olhos de uns, grandes estrategistas para outros. O fato é que as lendas se sobrepuseram à História, conforme afirma o historiador James Waterson, em The Ismaili Assassins: A History of Medieval Murder (Frontline Books, 2008).
Já foram chamados de os “primeiros terroristas” do mundo, em especial pelo historiador Bernard Lewis em seu livro Os Assassinos: os primórdios do terrorismo do Islã (Zahar, 2003). Este estudioso estadunidense sempre traz um ponto de vista enviesado sobre a história islâmica. Essa visão estereotipada é questionada pela ótima obra de Waterson, ao afirmar que é injusto chamar os Assassinos dessa maneira quando, por exemplo, não matavam mulheres e crianças, só autoridades específicas; enquanto que os mongóis exterminaram grande parte das populações e civilizações da Ásia, realizando uma espécie de “terrorismo de Estado”; apesar disso, não são chamados por aí de “terroristas”.
Outro equívoco, como aponta Waterson, é procurar entender os Assassinos (e outros povos do período) com o olhar secular do presente — algo que, por exemplo, acontece no romance Alamut. Pois, aos olhos dos próprios Assassinos, eles seriam os responsáveis por salvar o Islã dos pecados mundanos ao restaurar uma versão mais “pura” da religião. A sua fé cega nas ordens do seu líder estavam calcadas nesse estado mental. Ao completar sua missão, os fidayin realmente acreditavam que iriam para o Paraíso.
Um grande problema historiográfico é que todos os registros feitos pelos próprios ismaelitas sobre sua fé e sua própria história foram destruídos com a invasão mongol de Alamut, que foi logo incendiada. Assim, restaram apenas relatos de viajantes e as mais mirabolantes narrativas em torno das proezas dos Assassinos.
Cultura pop
Muitas dessas lendas foram consolidadas na cultura pop. Uma das mais famosas é a série de videogames Assassin’s Creed, cujo primeiro volume traz o personagem Desmond, em 2012, descobrindo que é descendente de um Assassino que lutou na Terceira Cruzada. Através da Ordem dos Assassinos, ele tem acesso às memórias do ancestral e procura combater a principal rival do grupo, a Ordem dos Templários (ironicamente, os ismaelitas pagavam tributos para os templários deixá-los em paz no Levante).
O jogo fez tanto sucesso que deu origem a várias outras sequências, que se passam com povos diferentes e em outros períodos históricos, e recebeu uma adaptação cinematográfica, com Michael Fassbender e Marion Cotillard, de 2016, mas com a ação se passando no Império Al-Andalus, na península Ibérica.
Outros que beberam na fonte dos Assassinos foram os estadunidenses Frank Herbert e George R. R. Martin. Em Duna (de 1965), os fedaykin, os soldados dos Fremen, o destemido povo do deserto do planeta Arrakis, que guardavam a segurança de Paul Atreides, depois denominado Muad’Dib, que se torna o Mahdi (“salvador”) e líder do povo contra os invasores estrangeiros, foram claramente inspirados nos fidayin ismaelitas. Ano passado, o livro foi levado pela segunda vez aos cinemas.
Já, em Game of Thrones, as habilidades de disfarce e de homicídio dos Homens sem Rosto, o grupo mortífero de assassinos que acolhe e treina Arya Stark na figura de Jagen H’qhar, foram inspiradas nas lendas em torno do treinamento dos fidayin. Como se vê, as lendas em torno dos Assassinos parecem que vão continuar a originar várias figuras interessantes para as narrativas do presente.
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Paula Carvalho
Paula Carvalho é jornalista, doutora em História pela UFF e autora do livro “Direito à Vagabundagem: As viagens de Isabelle Eberhardt”