Orelha de A tatuagem de pássaro, de Dunya Mikhail, por Paula Carvalho

Um mundo em que mulheres não podem passar batom, homens não podem cortar o cabelo, todos são proibidos de ouvir música e ver televisão e meninas de nove anos são consideradas mulheres adultas, vendidas em mercados para quem oferecer mais dinheiro. Essa descrição do que parece ser uma distopia é a realidade vivida por aqueles que foram dominados pelo Daich, nome pelo qual ficou conhecido o Estado Islâmico no mundo árabe, que dominou partes do Iraque e da Síria e que, neste romance, é chamado de “quadrilha”.

Uma quadrilha que acredita estar “salvando” quem não segue os ditames do que, na sua visão, no mínimo distorcida, seria o Islã.

“O mais estranho nessa quadrilha é que não escondem seus crimes; pelo contrário, orgulham-se deles e os transmitem em vídeos pavorosos”, diz protagonista Helin, mulher iazidi sequestrada e vendida como “esposa” para ser estuprada por membros do Daich que ocuparam o norte do Iraque.

Leia também: “A tatuagem de pássaro”: entrevista com a tradutora Beatriz Gemignani

A tatuagem de pássaro: Um romance baseado em histórias reais

A tatuagem de pássaro, primeiro romance da poeta iraquiana Dunya Mikhail, foi escrito a partir de histórias que a própria autora ouviu das sobreviventes e de alguns dos integrantes de uma rede criada para localizar e recuperar essas mulheres, com destaque para o apicultor Abdullah, personagem principal do livro que deu origem ao romance, um livro de não ficção da autora, intitulado Suq assabaya (The Beekeeper, na tradução para o inglês) — ainda que com um pé na ficção, as narrativas foram todas baseadas em relatos orais e são mais mirabolantes do que qualquer história inventada.

Mikhail, que reside nos Estados Unidos desde a década de 90, decidiu ir atrás dessas histórias, com o intuito de entender o que estava acontecendo no seu país de origem desde a invasão do Daich em 2014. Até então, ela nunca tinha ouvido falar dos iazidis, minoria de origem curda que habita regiões do Iraque, da Síria e da Turquia e segue uma religião surgida no século XI, que traz elementos do islamismo, do cristianismo e do zoroastrismo.

A tatuagem de pássaro é um livro urgente, um dos primeiros a acolher os testemunhos de quem sobreviveu ao trauma do extermínio iazidi e as suas estratégias de sobrevivência. Ter força para ler esses relatos e ouvir essas vozes é o mínimo que podemos fazer pelos sobreviventes. Assim como refletir sobre o porquê de algumas tragédias provocarem mais comoção na comunidade internacional do que outras.

Saiba mais sobre o livro aqui!

Assine nossa Newsletter