O Alcorão afirma que Deus criou três tipos de seres a partir de três substâncias diferentes: humanos (feitos de terra), anjos (feitos de luz) e djins (feitos de fogo). Os djins são criaturas invisíveis que existem desde a era pré-islâmica, que podem mudar de forma, acreditam ou não em Deus, se casam e se reproduzem entre si e com os seres humanos. Eles têm poderes que nós, humanos, não temos, e muitos gostam de pregar peças. A verdade é que os gênios vão muito além da lâmpada.
Os djins ganharam a cultura popular europeia ao aparecerem na tradução de As mil e uma noites, de Antoine Galland, no século XVIII, principalmente nas adaptações de Aladim e o gênio da lâmpada, na série estadunidense Jeannie é um gênio dos anos 60, com Barbara Eden. Mais recentemente, esse ser foi tema de uma série infantojuvenil árabe, chamada Jinn, da Jordânia, disponível na Netflix.
Como parte do folclore árabe-islâmico, os djins surgem em vários contextos literários. Uma dessas aparições é registrada em O tumor, de Ibrahim al-Koni, que a Tabla lançou recentemente e que trata de uma entidade dos desertos do Norte da África conhecida por Líder, que nunca aparece mas cujo representante ganha poder ao vestir uma túnica concedida por ele:
“Faz tempo que os adeptos da negação começaram a pôr em dúvida a identidade do Líder, assegurando que ele jamais pertenceu a uma linhagem que não a linhagem dos homens do Invisível, os quais alegam serem donos do deserto. A prova? Não há prova mais forte do que o Líder manter-se fora do alcance das vistas de todos, mais até do que os próprios homens do Invisível, pois os gênios sempre surgem diante do povo do deserto premidos por alguma necessidade, tal como a realização daquele gênero de negociações suspeitas por meio das quais eles sequestram os filhos dos homens a fim de substituí-los por crianças de sua própria linhagem, ora disfarçando-se de mercadores que vão aos mercados a fim de trocar mercadorias, ora atacando os acampamentos para sequestrar os mais belos dentre os humanos.”
Essas crianças humanas que são substituídas por crias de gênios, que sequestram os rebentos mortais, eram um dos grandes temores dessas populações, quando não reconheciam os filhos que tinham diante de si. Os djins encarnam esses medos.
Categorias de djins
Segundo os hadiths (ensinamentos do Profeta Muhammad), os jinns comem como os humanos, mas em vez de se alimentar de comida fresca, eles preferem ossos e carne pútrida. Um hadith os divide em três grupos: tipos que voam pelo ar; outros que são como cobras e cachorros e os demais que se mudam de um lugar para o outro como humanos. Outro hadith afirma que existem djins que são bestas de quatro pernas (ignorantes da mensagem de Deus), outros que estão sob a proteção divina e outros que têm forma humana mas a alma de um demônio.
Os djins também podem incorporar nas pessoas (na forma de um “zar”, ou “vento”, um espírito de ar), ou, como um encosto, sugar as suas energias, e também ser tema de alucinações e psicoses, sendo daí também um fenômeno observado na psiquiatria. Por vezes, aparecem em rituais religiosos que se assemelham aos de religiões de matriz africana, como podemos ver no livro Damas da lua, da omani Jokha Alharthi (Moinhos, 2020).
Dentre os tipos mais conhecidos de djin estão o shaitan (uma palavra que, em árabe, significa “demônio”) e o ifrit, outro espírito demoníaco, assim como o si’la, espírito mais traiçoeiro de forma invariável, comumente confundido com o ghul, espírito que vive em cemitérios e outros locais desertos. No antigo folclore árabe, os ghuls pertenciam a uma categoria diabólica de djins, sendo considerados filhos de Iblis, o príncipe das trevas no Islã. Eles mudam de forma constantemente, mas podem ser reconhecidos por terem cascos nos pés, como jumentos. São espíritos femininos, como o si’la, mas este é uma espécie que se assemelha às bruxas e não muda de forma.
O ghul perambula pelo deserto na forma de uma mulher atraente, tentando distrair os viajantes e, quando bem-sucedido, mata e come o humano. A única forma de matar um ghul é atacá-lo com um golpe só, pois um segundo o faz retornar à vida.
Existem várias outras categorias e histórias envolvendo djins, mas vou guardar para outros textos, pois é um assunto sem fim…
Paula Carvalho
Paula Carvalho é jornalista, doutora em História pela UFF e autora do livro “Direito à Vagabundagem: As viagens de Isabelle Eberhardt”