Poema “Porvir” (فيما بعد ), do escritor iraquiano Sinan Antoon, dedicado às crianças de Gaza, diante dos acontecimentos de outubro de 2023.

Publicado originalmente em árabe no jornal Al-Quds Al-Arabi, 21/10/2023.

Traduzido do árabe ao português por Jemima Alves.

Às crianças de Gaza,

Porvir

As mãos quentinhas do meu pai protegiam os meus ouvidos.

Eu ouvia o sangue dele correndo nas veias, como se estivesse sendo perseguido pelas bombas que caíam lá fora.

Os lábios da minha mãe batiam como uma borboleta aterrorizada.

Ela implorava a Deus que nos protegesse, enquanto abrigava minha irmã nos seus braços.

Fez a mesma coisa na guerra passada e Ele atendeu suas preces.

Pode ser que desta vez Deus não tenha ouvido. As bombas estavam estrondosas.

Depois que nossa casa em Jabaliya foi destruída, nos refugiamos em uma escola da UNRWA.

Mas as bombas nos seguiram até lá…

E nos encontraram.

***

Meu pai e minha mãe mentiram pra mim

Não ficamos juntos,

Sozinho

Caminhei por horas

Mentiram…

Não tem anjos,

Humanos caminham

Quase todos, crianças

O professor também mentiu

Meus ferimentos não viraram anêmonas

Como no poema que aprendemos

***

Mas Sidu não mentiu

Como prometera

antes de morrer

Lá estava ele

Encontrei Sidu chorando

apoiado na bengala

Pensando em Yafa,

Quando me viu

Como uma águia

Estendeu seus braços

Como uma águia cansada

apoiado na bengala,

Me abraçou

E beijou meus olhos

***

Sidu! Vamos voltar pra Yafa?

Não podemos.

Por quê?

Estamos mortos.

Então estamos no paraíso?

Estamos na Palestina, habibi
E a Palestina é paraíso

Mas é também inferno

E agora, o que vamos fazer?

Vamos esperar

Vamos esperar pelo quê?

Pelos outros. Esperaremos pelos outros

Até que retornem.

Sinan Antoon é poeta, romancista, tradutor e Professor na New York University. Nascido e criado em Bagdá, vive hoje na cidade de Nova York, e é considerado um dos mais aclamados escritores de sua geração.

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