O autor Elias Khoury cunhou o termo “Nakba contínua” para descrever a forma com que Israel mantém um projeto de limpeza étnica da Palestina, começando com o evento traumático da expulsão proposital e direcionada de oitocentos mil palestinos em 1948 e conduzida até o tempo presente, com o objetivo de transferir a população árabe palestina para fora do território e criar um Estado de Israel puramente judeu nos termos étnico e religioso. 

Se a Palestina está à margem quando discutimos crimes contra a humanidade, Gaza é a margem da margem. A limpeza étnica em Gaza é diferente da que acontece na Cisjordânia, pois Gaza está geograficamente isolada. Na Cisjordânia, a expulsão dos palestinos é conduzida através de assentamentos, da destruição de casas, de intimidações, de infinitos checkpoints e de uma rede de rodovias israelenses que corta os territórios palestinos da Cisjordânia.

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Em Gaza, por outro lado, Israel instituiu um bloqueio, esperando que os dois milhões de habitantes palestinos simplesmente desapareçam. Essa medida restringiu a entrada de insumos básicos, como comida, medicamentos, materiais de construção civil e  limitou o uso do mar para a pesca e navegação, além de criar um bloqueio físico de muros guardados por soldados armados e restringir a entrada e saída dos moradores de Gaza. Todas essas medidas são controladas de forma arbitrária por Israel. Para adicionar insulto à injúria, esporadicamente alguma operação militar de larga escala é conduzida em Gaza, bombardeando prédios de habitação,  sistemas de esgoto, escolas, hospitais, ambulâncias e matando algumas centenas ou milhares de civis.

 Em poucos locais no mundo existe uma agressão militar tão concentrada contra a população civil quanto em Gaza. O bloqueio que foi imposto em 2005, além de uma tática de opressão aos palestinos, foi também uma punição coletiva pela eleição do Hamas. O Hamas não é popular em Gaza, existe muita crítica ao partido e ele representa pouco a opinião dos palestinos de modo geral, contudo, sua eleição foi fruto de uma revolta contra a Autoridade Palestina, que decepcionou a população ao conduzir o país ao fracasso dos acordos de Oslo. Mesmo assim, a propaganda israelense tenta retratar os habitantes de Gaza como se todos fossem membros do Hamas e como se o bloqueio fosse uma forma de garantir a segurança do Estado de Israel. 

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A realidade é que o bloqueio está degradando a qualidade de vida em Gaza ao ponto de ter alcançado níveis inadequados para uma vida digna, como acusam vários relatórios das Nações Unidas e de organizações humanitárias, tais como o relatório Gaza in 2020 A liveable place?, de 2012, o relatório de Mads Gilbert The Gaza Health Sector as of June 2014, de 2014 e o relatório da UNCAD assistance to the Palestinian people: Developments in the economy of the Occupied Palestinian Territory, de 2015, entre outros. Há poucas horas de luz elétrica por dia, não há água limpa, o esgoto está destruído assim como hospitais e escolas, há uma insuficiência grave de insumos e profissionais médicos, Gaza tem o maior índice de desemprego do mundo. Todos os setores da indústria e economia em Gaza estão colapsando e minguando a cada ano, com exceção de uma única indústria, a fuga clandestina. Em suma, a população de Gaza está sendo silenciosamente desgastada e forçada a deixar suas terras. 

É isso que temos que ter em mente, as agressões aos palestinos em Gaza não são consequência de uma guerra, não é um ciclo de violências e provocações mútuas, não é uma crise humanitária e tão pouco é uma guerra ao terrorismo, é simplesmente a continuação da Nakba. 

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Existe, ainda, um desgaste da parte dos palestinos com as organizações humanitárias e com as Nações Unidas, pois, apesar de fornecerem auxílio médico, organização de infra-estrutura básica e insumos, esses órgãos são incapazes de tocar nas causas dos problemas e caminhar rumo às soluções definitivas: acabar com o colonialismo sionista sobre a Palestina, garantir o retorno urgente dos refugiados às suas terras e o estabelecimento de um estado único plurinacional onde todos possam viver e trabalhar nas terras palestinas livremente. Ao contrário do que é tendenciosamente veiculado no discurso político, hoje temos um único Estado, o Estado de Israel. As terras da Palestina em Gaza e Cisjordânia estão sob o controle israelense, a vida palestina é regulada pelo dominío militar, tecnológico e geográfico de toda a região e, nesse sentido, há um Estado de Apartheid: julgados por critérios étnicos e religiosos, alguns habitantes daquela terra têm o direito de viver enquanto outros, não. 

Bibliografia 

KHOURY, Elias. Rethinking The Nakba. Critical Inquiry, [S. l.], v. 38, n. 2, p. 250-266, inverno, 2012. Disponível em: https://www.jstor.org/stable/10.1086/662741. Acesso em: 26 jun. 2023.

ROY, Sara. Unsilencing Gaza: Reflections on Resistence. Northhampton: Pluto press, 2021. ISBN 978 1 17868 0826 4. livro digital.

ROY, Sara. Failing Peace: Gaza and the Palestinian-israeli conflicr. Londres: Pluto Press, 2007.

Alexandre Tanhoffer

Tanhoffer está no último semestre em história pela Universidade de São Paulo, conduziu uma pesquisa sobre os protestos da Grande Marcha do Retorno e sobre a resistência à ocupação em Gaza e participa do Tarikh: grupo de estudos em História Árabe

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